segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

António Borges Barreto, o português da Ferrari F1

(artigo do Ionline)
"Nicha Cabral (cinco corridas entre 1959 e 1964), Pedro Matos Chaves (13 em 1991), Pedro Lamy (32 entre 1993 e 96) e Tiago Monteiro (37 entre 2005 e 2006) foram os quatro pilotos portugueses que andaram no circo da Fórmula 1 e são nomes incontornáveis do automobilismo português pela incrível façanha de terem chegado ao topo. A história que aqui vamos contar de um outro inesquecível piloto nacional é trágica e nunca passou pela F1.

Esquecido por alguns e desconhecido para muitos, António Joaquim Borges Barreto, abreviado para Toquim, foi o primeiro e único piloto português na Ferrari. Este dado, por si só, já garante uma página. Mas afinal porque é que a escuderia mais famosa da história contratou um português de 24 anos? Bem, é por isso que vamos escrever uma página sobre o homem e o piloto que passou ao lado de uma carreira gloriosa.

Nascido em Évora, Toquim deu-se a conhecer nas pistas aos 23 anos, em 1954, numa altura em que a média de idade dos pilotos da Fórmula 1 (só para dar um exemplo) era de 42 anos. Ao volante de um Porsche 356, Toquim apresentou-se na VI Volta a Portugal, organizada pelo desaparecido Clube 100 à Hora. Para surpresa de muitos, incluindo do próprio, saiu-se vencedor de uma prova que contava com nomes sonantes do automobilismo português. A sua humildade é sincera e, ao mesmo tempo, graciosa: "Sou estreante. Nunca entrei em provas, se bem que conduzo há bastante tempo. Sinceramente lhe digo: quis avaliar o prazer destas andanças. Não sabia nada disto e não queria deixar de experimentar as sensações que outros volantes têm tido. Agora não desisto mais."

Para a frente é que é Lisboa. Ou Porto. Ou Guimarães. Com Toquim ao volante, as surpresas nunca mais acabavam. Foi sétimo classificado no GP Portugal, no Circuito da Boavista, no Porto, décimo no GP Lisboa, segundo na Rampa da Penha (Guimarães) e primeiro num Quilómetro de Arranque. A experiência nestas provas dão-lhe a projecção necessária para outros voos e Toquim aventura-se na compra de um Ferrari 2M (Spider Vignale), que pertencia a D. Fernando de Mascarenhas, prestigiado piloto português. É essa compra, feita no final do ano de 1955, que lhe permite dar o salto.

Em 1956, o Ferrari e Toquim fundem-se num só. Ao quarto lugar no GP Porto segue-se a primeira internacionalização, nas 10 horas de Messina (Itália). Acaba em terceiro, e ainda levanta a Taça dos Novos. Esse lugar no pódio aliado ao título numa corrida paralela confere-lhe maturidade ao volante e confirmam-se as negociações com a Ferrari. Em conversa informal com o jornal "O Volante", Toquim anunciava um contrato profissional, já com testes marcados com a Ferrari, no dia 15 de Setembro, em Saint Étienne.

"Vou para Itália, onde me demorarei poucos dias, apenas o tempo necessário para alguns treinos na Ferrari. Depois sigo para França onde disputarei uma prova de circuito em Saint Étienne à qual devem correr todos os bons e em que eu correrei oficialmente pela Ferrari." O entrevistador está embasbacado. Ferrari? "Sim senhor, pela Ferrari. Em Messina, já corri pela Ferrari mas agora é verdadeiramente oficial a minha presença na equipa." E a ideia é tornar-se profissional? "É essa a minha intenção. Tenho 25 anos e reconheço que posso fazer qualquer coisa interessante. Lá fora escasseiam os corredores novos: julgo que a ocasião é de aproveitar..." [nesse ano de 1956, Fangio é campeão mundial de pilotos com 45 anos de idade, enquanto a Ferrari ganha o Mundial de construtores]

É nesse momento que o destino prega uma das partidas mais cruéis, com a morte de Toquim nas 6 horas de Forez, na estreia oficial pela Ferrari. O italiano Piero Carini, que seguia em terceiro lugar, perdeu o controlo do seu Ferrari Testarossa a mais de 200 km/h e foi bater na traseira do português, projectando os dois veículos contra um muro, onde ambos morreriam naquele instante. Portugal ficou paralisado, Évora nem se fala. Toquim era já um símbolo naquela cidade. A sua urna foi levada em ombros da igreja na praça do Giraldo até ao cemitério. Em cima dela, duas coroas de flores: uma enviada por Enzo Ferrari, como sinal de luto pelo recém-contratado piloto; outra da família de Piero Carini, o outro acidentado no fatídico dia.

Toquim pode nunca ter chegado à Fórmula 1 mas tem o seu nome no livro de pilotos da Ferrari, onde se lê: "Com coragem e paixão, faleceu com apenas 26 anos."

2 comentários:

Paulo "McQueen" Ribeiro disse...

Artigo de grande interesse. Parabéns.

Rui Vieira disse...

Muito Obrigado por este artigo do Borges Barreto. Tinha só ouvido falar no seu nome como um dos maiores de sempre em Portugal, mas não conhecia a sua história. O seu desaparecimento foi um dia triste para Portugal..